Culpables
“Hasta La Victoria Siempre”
Este foi o assunto da primeira carta “Reflexões do Companheiro Fidel” e não mais do “Comandante-em-chefe”, o título no mínimo provoca.
Fidel acredita na eternidade de sua revolução, crê que nada mudará na Ilha após sua chocante renuncia depois de 49 anos no poder, até quando o espírito “hasta la victoria siempre” manterá os Culpables longe?! Bom, a princípio penso que os ditos “culpados” – leia-se EUA - nem estão tão longe assim: a Flórida esta nas cercanias, 110 ou
Como manter os Culpables longe da ilha?
Como?
O capitalismo está rondando Cuba, estive em janeiro de 2008 na ilha e vivi com e como os cubanos. Não me hospedei nos hotéis faraônicos e caríssimos cobrados e cambiados em euros, não participei da virada de ano de rua na “Plaza das armas” a um custo “módico” de 120 CUC’s (Pesos Convertibles – a moeda que DEVE ser usada pelos turistas), mas em compensação corri em busca de pães, bolos e refresco nas vendinhas improvisadas da Calle José Marti – avenida majestosa que apelidei de A exótica – sim, corri e me acotovelei na multidão junto com os cubanos, incorporei a estudante de medicina determinada a utilizar meus pesos cubanos (moeda nacional), me confundir na multidão e comprar comida também.
Sim pessoas, seja
Ao comentar isso me lembro de uma senhora cubana que arrastava pela mão sua neta de não mais de 5 anos na Coppelia – maior sorveteria do mundo. Ao se sentar conosco nas mesas coletivas - indicadas pelos atendentes - coletivamente pedimos um “helado” de chocolate e bolo a “míseros” 3 pesos cubanos (Atenção, a palavra míseros cabe apenas para mim – turista em Cuba que subverteu a ordem e adentrou a proibida “ala dos cubanos” os únicos autorizados por uma regra velada a pagarem em pesos cubanos – (dinheiro surrealistamente chamado de dólar?!? Onde as moedas tem a cara do Che?!? Incrível não?), bom, invadi a ala dos cubanos e paguei em dólar/peso cubano. Talvez você que ainda não foi a Cuba se pergunte... bom, e daí? Explico: O mesmo “helado” da mesma Coppelia na permitida “ala dos turistas” custa 4 CUC’s, não fosse um número a mais, diria que estamos quites, ok? Não meu amigo, a questão é mais complexa... O mais curioso talvez se pergunte: “Mas quanto raios de dinheiro vale 1 CUC”? E de pronto respondo: vale R$ 2,78 e pra manter a intemporalidade do cambio vamos dizer: 1 CUC vale 1 Euro. Anh? Você não leu errado, na Amécia Central - Cuba socialista turista gasta como na Europa – EM EURO.
E agora meu amigo, o mais surpreendente... Talvez você esteja aflito e se pergunte: “Céus, e quanto vale um dólar/peso cubano?” Prepare-se, a conta é intrigante – um dólar cubano vale 1/24 avós de CUC. Simples, faça suas contas – um dólar cubano equivale a 0,12 centavos de Euro, ou seja, para um cubano alcançar o poder de compra de 1CUC ele vai precisar de 24 moedas nacionais, o dito dólar cubano. Em meados de 1992/93 quando a URSS ruiu essa conta era feita assim: 1CUC = 150 moedas nacionais. Não tenho melhor palavra pra descrever o que senti além de bizarro.
Tratamos aqui dos extremos. Para um turista 4CUC’s pagam um sorvete “helado”, e para um cubano 4CUC’s significam um quarto do seu salário do mês – acredite quando lhe digo meu amigo incrédulo, um professor de Havana recebe 14 CUC’s por mês. Agora que você respirou, ponderou e de bate pronto vai lembrar dos princípios do socialismo responderá: Bem, os cubanos tem casa, educação e comida em moeda nacional – então a conta bate, é justa. Eu por minha vez cutucaria a ferida e responderia ainda: “Sim, ele tem a universidade de
Chegamos ao ponto, e é disso que quero falar, dos desejos incontidos que li nos olhos dos cubanos que conheci – médicos, psicólogos, estudantes, professores, boxeadores, donas de casa, michês...
Desejos, desejos... Palavra que o Aurélio define como: “ “ e no devaneio seu ou meu cada um constrói seus sonhos.
Os cubanos tem desejos diversos, seja de ir a um bar e comprar uma cerveja Bucannero vendida a 1CUC, valor inegociável seja para cubano ou turista. Invertendo a ordem do pensamento vamos usar a maravilhosa hipérbole pra exemplificar: para comprar uma cerveja pense que vai pagar 100 reais em uma deliciosa latinha gelada, mas lembre-se também que seu salário mensal é de 1400 reais, assim fica impensável não? Pois é, para os cubanos também.
Quero seduzi-los a partilhar do meu pensamento, entretanto há outros desejos incontidos no imaginário cubano além da vontade de beber uma cerveja, eles desejam tudo, talvez desejem usar a internet no majestoso hotel ex-Hilton, agora Habana Libre, porém o débito é salgado: 3,50 CUC’s por 10 minutos de conexão lenta, melhor deixar para outro dia. Talvez desejem assim como eu poder conhecer o mundo, viajar pelo simples prazer de ver o diferente, o extraordinário, a paisagem. Talvez desejem comprar um computador, acessar a internet e saber das últimas notícias do mundo, mas não será possível – possuir computador é ilegal, internet então? Só no “gato”, e não se espante, existe muito gato em Cuba.
Pensando nesses desejos abstraímos o meio fundamental para obtê-los, sim o cobiçado CUC... E então vem a pergunta: Como acumular CUC’s suficientes para comprar os desejos numa “ilha socialista”? Como consegui-lo com um salário apertado e controlado? Ah, lembrei, existe o fabuloso turismo, aquele que anima a ilha e abre as portas das possibilidades de casamento, presentes, trocas e por que não dizer, exercitar o jeitinho cubano? Mas essa lebre eu deixo pra contar em outro relato.
O turismo possibilita a inversão da ótica socialista/capitalista, em tese a essência é socialista, mas em espécie é capitalista. O valioso euro convertido em presente pode comprar o celular – acredite meu amigo, possuir um celular em Cuba é sinal de status assim como foi no jovem Brasil de 10 anos atrás, um presente ingênuo e útil doado por algum turista desavisado chamado CD virgem pode se converter
...e por aí vai, Fidel, ou melhor Castro (como é conhecido na ilha) acredita e acredita, segue acreditando que sua ilha respira os ideais de 1959, que todos estão armados para la revolucion – corajosos rejeitando os culpables. Enquanto eu cá com meus botões lembro daquela senhora que arrastava a neta pelo braço na Coppelia, sim, faltou terminar a história – nosso sorvete de chocolate foi substituído por um de creme, e o bolo? Bom, o bolo não veio. Perguntei: “mas e o de chocolate que vocês prometeram junto com o bolo igual ao que comemos ontem?” A atendente impassível respondeu “acabou!”, e eu insisti: “e quando vai ter?” ela deu de ombros e saiu. Olhei para a senhora que me fitou de cima e baixo e respondeu: “És Cuba”.
Fim.
22/2/2008
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